Ao contrário de pseudônimos, os heterônimos constituem uma personalidade, uma pessoa inteira – viva e quase real – criada por alguém que lhe dá características próprias e até senso de humor, visões de mundo e opiniões sobre tudo. Exatamente assim, apresentava-se Fernando Pessoa – um dos mais importantes escritores portugueses do modernismo e poetas de língua portuguesa. Consolidou a modernidade em sua poesia. Destacando-se com a criação de heterônimos multifacetados.
Rememorar sua obra é eternizá-la: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Há muito trago comigo está máxima, inclusive por respeito e idolatria a este tão genuíno poeta! Pois nos faz refletir sobre nós mesmos, nossas idiossincrasias mais rebuscadas. Enfim, o poeta disseca a alma, a poesia e, óbvio – o Amor… E continua: “O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida”.
Portanto, quando penetramos nas emoções contidas nas palavras, nas frases, compreendemos melhor o nosso papel neste tão metralhado e melancólico mundo. Aliás, o ser humano perdeu muitíssimo da sua poesia, da introspecção, da própria natureza e simplicidade da vida e, do algo mais. Poder-se-ia dizer até mesmo a tão reluzente, esfuziante, porém esquecida compaixão. O que vale hoje é a mídia tecnológica, imediatista, os apelos incessantes, o que faz a emoção propriamente dita se dissolver numa velocidade orbital.
Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso. Portanto, continuo a enaltecer o poeta quando diz: “Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a representação) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida – umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana.
Não é o caso da literatura, pois esta simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance proposto sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso. A maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar”….
Fernando Pessoa encanta por seus próprios argumentos, encanta por ser original e perfeccionista, encanta por escancarar o seu talento sem precedentes, encanta com maestria os corações mais indefesos, encanta com proficiência os corações mais petrificados pela dor, pelos desatinos, por todas as desilusões eternizadas no vazio da solidão e desencorajamento dos que desistem do amor ao primeiro sopro de desilusão… Há tanta suavidade em nada dizer e tudo entender. Mas a vida é um rasgar-se e remendar-se eternamente. Ainda assim, Tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Por André Curvello – Advogado e Colaborador do Liberdade de Imprensa.