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Possíveis candidatos ‘laranjas’ receberam R$ 55 milhões do Fundão, equivalente a R$ 1,7 mil por voto

por Redação

Nas eleições deste ano, o Progressistas do Piauí decidiu lançar, na cidade de Floriano (PI), a candidatura a vereadora de Francisca Alves Feitoza, a Chica Feitoza. Em 30 de agosto, o PP Piauiense pagou a ela R$ 120 mil do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), o Fundão Eleitoral. A candidata informou ao TSE gastos de R$ 41,7 mil para organização de eventos; R$ 18 mil com publicidade e R$ 6 mil para locação de veículo, entre outros. Tudo em vão: no fim, ela teve apenas 8 votos. Apesar dos custos elevados, não foram feitos sequer perfis em redes sociais para Chica Feitoza.

Casos similares aos da candidata de Floriano aconteceram por todo o País nas eleições deste ano. Usando dados públicos da Justiça Eleitoral, a reportagem do Estadão encontrou 2.771 candidaturas que receberam mais de R$ 1 mil do Fundão Eleitoral e do Fundo Partidário para cada um de seus votos, e que tiveram menos de 100 sufrágios no total. Em conjunto, esses candidatos receberam R$ 54,7 milhões em verba pública, mas tiveram só 30.886 votos. É como se cada um desses votos custasse ao pagador de impostos R$ 1.771,83. Das 2.771 candidaturas, todas foram para vereador e a maioria (2.087) foi de mulheres. Ninguém se elegeu.

A reportagem do Estadão procurou os diretórios estaduais e nacionais dos partidos citados e as candidatas a vereador. Apenas uma, Nilzete do Baú (PSD-BA), respondeu. Ela nega irregularidades. O presidente do PSD da Bahia, o senador Otto Alencar, também disse desconhecer eventuais problemas. Já o Diretório Nacional do PSD disse seguir a lei vigente e as determinações da Justiça Eleitoral, mas reafirmou que a prestação de contas é dever de cada candidatura. (leia abaixo).

Em alguns casos, as candidatas parecem ter feito pelo menos alguma campanha – há fotos das atividades em redes sociais, por exemplo, embora os gastos declarados pareçam exagerados diante da pouca votação. Na maioria dos casos, porém, não há sequer sinais de campanha.

Em Santana (AP), Kelly Gurjão (PL) recebeu R$ 85 mil e registrou até agora gastos de R$ 49,2 mil em sua campanha, mas teve apenas 1 voto. Do outro lado do País, em São João do Meriti (RJ), Cláudia Bengaly (PP) recebeu R$ 100 mil do Fundão para disputar uma vaga de vereadora pelo PP. Até agora, ela declarou ter gasto R$ 62,2 mil desse dinheiro – o prazo final para informar os gastos de campanha termina 30 dias após a data da eleição, no começo de novembro.

Bengaly disse à Justiça Eleitoral ter mandado imprimir 4.800 adesivos de vários tipos; confeccionado 50 bandeiras a R$ 25 cada; e adquirido 5 mil “praguinhas” (aquele adesivo redondo para colar na roupa). Mesmo assim, teve só 12 votos. Não há nem mesmo campanha da candidata nas redes sociais.

As 2.771 candidaturas de mais de R$ 1 mil por voto estão espalhadas pelos 26 Estados do Brasil, mas as unidades da Federação com mais ocorrências são a Bahia (236), o Rio de Janeiro (162), e o Amazonas (156).

Os partidos com mais casos são o PL (361), o PSD (321) e o PP (316). Quando se consideram os diretórios estaduais, se sobressaem o PP da Bahia (43); o PSD na Bahia (40) e no Ceará (39); e o MDB no Amazonas (34) e no Piauí (33). Geralmente, a alocação do dinheiro entre os candidatos é feita pelos diretórios municipais de cada legenda.

A lista de siglas com mais candidatas suspeitas coincide, parcialmente, com o ranking daquelas que mais elegeram prefeitos nas eleições deste ano. O PSD terminou com o maior número de prefeituras em todo o país, 882, destronando o MDB, que fez 856 prefeitos. O PP elegeu 748 alcaides este ano.

O advogado especializado em Direito Eleitoral Fernando Neisser explica que, quando os candidatos não usam todo o recurso do Fundo Eleitoral que receberam, as sobras devem ser devolvidas para a União, junto com a prestação de contas final, no começo de novembro. Se ficar comprovado que um candidato usou notas fiscais frias para ficar com o dinheiro do Fundo, há o crime de apropriação indébita eleitoral, diz ele.

“Por ser direito penal, a responsabilidade é de quem fez (do candidato). Então, quem investiga isso, normalmente, é o Ministério Público Eleitoral”, diz ele. Nos últimos anos, o MP tem feito cruzamentos de dados para investigar casos assim, diz Neisser.

Também é crime, segundo o advogado, caso a candidatura a vereador seja usada para fraudar a disputa para a prefeitura. É o que pode acontecer, por exemplo, se candidatos a vereador declararem gastos com uma empresa que, na verdade, prestou serviços para a campanha do prefeito.

“Você teria aí, eventualmente, lavagem (de dinheiro), falsidade (ideológica). (É o caso de) uma pessoa que declara à Justiça Eleitoral ter gasto R$ 100 mil em marketing na sua campanha, mas esses R$ 100 mil foram (usados) para a campanha de outro”, diz Neisser, que é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.

Esta prática pode ser usada, por exemplo, para permitir que o candidato a prefeito faça uma campanha mais cara que o permitido pelo limite de gastos da disputa, dando-lhe uma vantagem sobre os adversários.

O voto mais caro do país, em termos de recursos recebidos do “Fundão”, é o do candidato a vereador pelo PSD em Manaus Flávio Tadeu Tomas de Araújo, o Flavinho Araújo. Ele recebeu R$ 150 mil em verba pública do PSD local, mas teve apenas 2 votos. Até o momento, o candidato informou ter gasto R$ 10 mil dessa verba: foram R$ 6 mil para “assessoria e consultoria jurídica” e mais R$ 4 mil para “assessoria e consultoria contábil”.

As executivas do PSD em Manaus e no Estado do Amazonas publicaram nota acusando Flavinho de agir “com indiscutível má fé”, e informaram que buscarão a Justiça para reaver os recursos. A reportagem do Estadão tentou contato com Flávio, mas não houve resposta até o momento da publicação.

Segundo colocado na lista de diretórios estaduais com mais candidaturas de possíveis “laranjas”, o PSD da Bahia foi o partido que mais elegeu prefeitos no Estado este ano, 115 ao todo. Uma de cada quatro cidades baianas estará sob o comando da legenda. Das 40 candidaturas do PSD da Bahia com mais de R$ 1 mil do Fundo por voto, 39 são de mulheres. E quase todas são pardas (30) ou pretas (8). Só duas se autodeclaram brancas. 28 dessas candidaturas tiveram menos de 20 votos. Juntas, as 40 candidaturas receberam R$ 1,93 milhão do Fundão, mas tiveram só 906 votos, o que representa mais de R$ 2 mil por cada sufrágio.

O voto mais caro do grupo foi o de Rita Alves da Silva, a Ritinha, que tentou se eleger vereadora em Eunápolis (BA), cidade de 120 mil habitantes no Sul do Estado. Ritinha recebeu R$ 60 mil do “Fundão” do PSD e, até o momento, declarou ter gasto quase tudo (R$ 57,5 mil). Mesmo assim, só teve 5 votos. Nas redes sociais de Ritinha, informadas ao TSE, não há qualquer traço de que ela tenha feito campanha.

O maior gasto dela foi com a empresa H&H Empreendimentos, uma firma de marketing digital: R$ 47,5 mil. Há uma nota de R$ 7,5 mil para “criação e designer (sic) de peças publicitárias” e outra de R$ 40 mil para “serviço de militância na campanha eleitoral”. Além dela, outras candidatas do PSD em Eunápolis com poucos votos também contrataram a empresa. É o caso da Pastora Maria Nilza, que investiu R$ 40 mil nos serviços da empresa mas só teve 11 votos; e de Maíza Oliveira, que também pagou R$ 40 mil e teve 48 votos. Em Eunápolis, o PSD elegeu o prefeito, Robério Oliveira, com 49,6% dos votos.

Além das candidatas a vereador do PSD em Eunápolis, a H&H Empreendimentos também fez a campanha de Luiz Carlos Junior Silva de Oliveira, o Luizinho, (MDB) prefeito reeleito de Itagimirim (BA). Ele pagou R$ 30 mil à empresa. Ao todo, a H&H recebeu R$ 556,4 mil em pagamentos de candidatos nesta eleição, de acordo com informações da Justiça Eleitoral.

Ao Estadão, o presidente do PSD da Bahia, o senador Otto Alencar, disse não conhecer Ritinha e afirmou que não é responsável pelo eventual mau uso dos recursos, caso tenha ocorrido.
“Quem vai prestar conta é a Ritinha. Então, se ela teve alguma coisa que signifique irregularidade, aí tem os órgãos de controle para olhar”, diz. “Como é que eu vou calcular se a Ritinha vai ter voto ou não? Quem calcula é a urna, não sou eu (…). Você liga para a Ritinha para saber. A gente dá (o dinheiro) na boa fé. Se ela vai fazer uma coisa dessas (desviar) ou não, cabe a investigação”, diz o senador. Ele diz já ter expulsado pessoas do partido por irregularidades nas eleições de 2020 e 2022.

Otto Alencar disse encorajar a participação feminina em seu partido, mas criticou as normas que obrigam os partidos a destinar um percentual mínimo de verbas para mulheres. “Eu acho que a participação da mulher é fundamental. A maior alegria da minha vida é liderar a maior bancada do Senado, com 15 participantes e seis mulheres, todas muito ativas. Aqui no meu Estado, eu fiz 20 reuniões do PSD Mulher (…). A única coisa que está errada é Brasília dar uma receita única para todos os Estados. Dizer que São Paulo é a mesma coisa da Bahia… não é. Alagoas, não é. Pode ser que um Estado desse tenha muita mulher participando. No meu Estado… eu luto por isso”, diz.

Ao Estadão, o Diretório Nacional do PSD disse seguir a lei brasileira ao fazer os repasses, mas reiterou que a prestação de contas é de responsabilidade dos candidatos.

“As candidaturas são definidas pelas instâncias partidárias municipais e seguem a legislação vigente. Os repasses do Fundo Especial de Financiamento de Campanha seguiram a legislação e é dever das candidaturas realizar a prestação de contas correspondente ao valor recebido, conforme estabelecido pela legislação. Todos os votos recebidos pelas candidaturas proporcionais são somados para a definição de cadeiras conquistadas pela chapa. O PSD Nacional também esclarece que cumpre todos os aspectos da legislação vigente e as determinações da Justiça Eleitoral”, disse o partido.

Nos últimos anos, a reserva de recursos para candidaturas de mulheres e negros vinha sendo estabelecida por meio de resoluções do TSE. Este ano, a norma foi constitucionalizada por meio de uma Emenda Constitucional aprovada pelo Congresso – a mesma que anistiou as multas e dívidas tributárias dos partidos políticos. Promulgada em agosto, a emenda constitucional reservou 30% do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário para candidaturas de pessoas negras e de mulheres. A emenda também liberou os partidos de multas pelo descumprimento dessa reserva de valores em eleições passadas.

Nilzete do Baú: ‘recursos foram usados de maneira transparente’

A reportagem do Estadão procurou todas as candidatas mencionadas nesta reportagem. Apenas uma, Nilzete do Baú (PSD), candidata a vereadora na cidade de Guanambi (BA), respondeu. “Os recursos recebidos do Fundo Partidário foram aplicados de maneira transparente e dentro da legalidade, conforme as exigências da Justiça Eleitoral. A prestação de contas final ainda será apresentada dentro do prazo regulamentar”, disse ela, em nota enviada por seu advogado.

A campanha da candidata foi registrada em suas redes sociais. Ela gastou R$ 72,5 mil, mas teve apenas 54 votos.

“O cenário político de Guanambi foi desafiador, sendo que calha de logo observar que a candidatura majoritária governista contra a qual a candidata Nilzete se colocou obteve 80,46 % dos votos no pleito”, diz o texto elaborado pelo advogado da candidata. “De outra banda, a oposição aos partidos governistas, onde se situava a candidata Nilzete, conseguiu eleger apenas dois vereadores em um total de 17 vagas. Essa conjuntura dificultou a candidatura de Nilzete, apesar de sua campanha focada em propostas e no contato com os eleitores”, diz um trecho.

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