O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), tenta uma arriscada coreografia para pavimentar seu caminho à reeleição.
O movimento envolve cozinhar em banho-maria um Jair Bolsonaro (PL) em baixa, sem irritá-lo a ponto de que ele lance um candidato próprio. Ao mesmo tempo, ampliar espaço na periferia, impedir que Boulos cresça entre os mais pobres e até tentar avançar sobre eleitores mais à esquerda.
A última pesquisa Datafolha mostrou que Lula (PT), apoiador de seu rival Guilherme Boulos (PSOL), tem aprovação alta na capital, de 45%. Enquanto isso, 68% não votariam em alguém indicado por Bolsonaro, com quem vive um jogo de aproximação e recuos.
O desgaste político de Bolsonaro ainda pode se agravar com a delação do tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, homologada neste sábado (9) pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), com possibilidade de implicações ao ex-presidente em investigações sobre joias, golpismo e fraude em cartão de vacinação.
A pesquisa Datafolha parece ter ajudado a consolidar a percepção do risco Bolsonaro para a campanha de Nunes. O prefeito chegou a ser enfático ao dizer que gostaria do apoio do ex-presidente, mas oscilou o tom e voltou a dizer que não tem proximidade com Bolsonaro.
O vaivém de Nunes gerou irritação entre bolsonaristas, que veem na postura uma desmoralização de Bolsonaro. O prefeito, depois da repercussão, minimizou, disse que foi mal-interpretado, culpou “futriqueiros”, pregou união contra a “extrema esquerda” e disse estar “aguardando ter essa proximidade” com o ex-presidente.
Aliados do prefeito consideram que um candidato bolsonarista raiz ainda poderia dividir os votos da direita e atrapalhar o prefeito. No entanto, avaliam que o melhor caminho para ele é fugir da polarização.
O ex-prefeito Bruno Covas (PSDB), na campanha de 2020, foi bem-sucedido ao seguir neste caminho —no caso dele, sem flertes com Bolsonaro. Dois anos depois, em conjuntura diferente, o ex-governador Rodrigo Garcia, do mesmo partido, fracassou com estratégia semelhante e ficou fora do segundo turno.
Se por um lado o prefeito já realizou diversos encontros com Bolsonaro, ele também tem feito acenos que podem cair bem aos petistas e pessoas da periferia.
Em visita ao festival The Town, por exemplo, ele surpreendeu ao afirmar que estava ansioso pelo show da banda Racionais MCs, que tem como principal expoente o rapper Mano Brown, conhecido apoiador do PT.
“Muita gente não sabe, mas sou um prefeito que veio lá da periferia, lá do Parque Santo Antônio, que é de onde a maioria dos integrantes do Racionais MC’s também vieram”, diz.
Nunes ressalta com frequência sua origem periférica, da zona sul da capital paulista, com passagens por escola pública e usuário de serviços públicos. As falas trazem uma crítica implícita a Boulos, vindo da classe média, com apoio em estratos mais ricos e artistas famosos, de que ele não seria um representante legítimo da periferia.
Essa parcela da população é vista como um ativo importante para Nunes.
No geral, Boulos tem 32% das intenções de voto no Datafolha, seguido por Nunes, com 24%. Mas, entre as pessoas com renda de até dois salários mínimos, o jogo se inverte e o prefeito tem 29%, contra 23% do psolista. Entre os menos escolarizados, Nunes chega a 32% e Boulos tem 24%.
Na equipe de Boulos, a vantagem de Nunes nesse grupo é vista como algo temporário, reversível assim que Lula entrar de cabeça na campanha. Já para o estafe do emedebista é sinal de que a população mais pobre, que depende das políticas públicas, tem notado as ações.
O recapeamento da cidade, com massiva publicidade sobre o recorde de ruas asfaltadas, é a grande aposta de Nunes como vitrine. Mas programas habitacionais e um projeto para estender o horário de saída das creches municipais das 17h para as 19h seriam iniciativas que teriam maior apelo à população mais pobre.
Outro trunfo de Nunes para tentar crescer nesse estrato –e também entre eleitores que pendem à esquerda –é colar a imagem do prefeito à de Marta Suplicy, secretária de Relações Internacionais da cidade. A ex-prefeita mantém capital político na periferia e ajudaria a contrabalançar os acenos a Bolsonaro.
Ela chegou a ter o nome cogitado para a vaga de vice. O assunto, porém, é complexo e envolve a composição com os partidos aliados –principalmente o PL, com grupos ligados a Valdemar Costa Neto e a Bolsonaro. Por ora, o plano é fazer muitas agendas ao lado de Marta, o que ajudaria consolidar a imagem de que Nunes seria um candidato de centro.
O entorno do prefeito costuma argumentar que o secretariado dele, com pessoas mais à esquerda e mais à direita, reflete um pouco o posicionamento dele pragmático e com foco nos problemas da vida real.
Outro cotado para a vaga de vice, Fabio Wajngarten, advogado de Bolsonaro, postou em redes sociais posicionamento que reflete a impaciência com a postura de Nunes entre os bolsonaristas. “Ninguém, repito, ninguém se apropriará de votos bolsonaristas e deixará Bolsonaro distante. A era dos gafanhotos acabou”, escreveu, em recado que foi entendido por Nunes.
O ex-ministro do Meio Ambiente e deputado federal Ricardo Salles (PL), bolsonarista raiz, foi retirado do páreo devido à constatação entre o núcleo mais próximo do ex-presidente que a cidade de São Paulo está em momento que pende à esquerda e que só alguém mais ao centro derrotaria Boulos. No entanto, eles cobram a presença de alguém ligado aos valores de Bolsonaro na chapa de Nunes.
O cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, afirma que atualmente a candidatura de Salles talvez até ajudasse Nunes, por carregar o ônus de Bolsonaro para ele. Ele diz ainda que, hoje, Lula desponta como o grande influenciador de votos na capital, uma vantagem para Boulos.
“O Ricardo Nunes queimou a largada. Ele foi imediatamente buscar o Jair Bolsonaro quando o escândalo das joias não era nem de longe perto do que representa hoje. Então, o Ricardo Nunes tirou foto, viu o próprio PL rifar a candidatura Ricardo Salles e agora ficou com espólio negativo”, diz, lembrando como o apoio de Bolsonaro é indigesto na cidade.
Para a cientista política Maria do Socorro Braga, da UFSCar, Nunes deve continuar o jogo de morde e assopra com vários campos políticos para ampliar seu eleitorado, em uma cidade que tende ser mais progressista que a média do estado.
“Ele precisa fazer esse jogo de acenos para vários lados. E jamais vai se recusar o apoio do Bolsonaro, dado que um terço do eleitorado que pode apoiar forças da direita”, diz.
Ela ressalta que, independentemente de acenos, Nunes e as forças políticas que compõem sua futura candidatura estão muito mais próximas do ex-presidente do que do campo progressista. No entanto, ao mirar a população mais pobre, ele acerta eleitorado mais pragmático que pode votar mais à esquerda hoje, mas que já foi a base de sustentação do malufismo na capital.