Influenciador petista repete ‘gabinete do ódio’, gera 1 bilhão de ‘views’ e fatura com desinformação

O influenciador Thiago dos Reis se tornou um dos maiores produtores de conteúdo político do País replicando, em favor do governo Lula (PT), a receita de sucesso do “gabinete do ódio” da gestão Jair Bolsonaro (PL). Os vídeos que publica misturam desinformação e agressividade contra adversários políticos, método que rende audiência e dinheiro, além de responder a 15 processos na Justiça. Filiado ao PT, o youtuber de 36 anos pauta as bolhas digitais e acumula, sozinho, mais de 1 bilhão de visualizações no YouTube desde 2017.

Procurado, Thiago dos Reis negou receber informações de dentro do Palácio do Planalto e alegou que seu canal defende a democracia, ao contrário do “gabinete do ódio”. Também afirmou que jamais recebeu dinheiro do governo.

Nesta segunda-feira, 10, o Estadão mostrou que o Palácio do Planalto despacha com ‘gabinete da ousadia’ do PT para pautar redes e influenciadores governistas. Integrantes da Secom, do PT nacional e das lideranças da sigla no Congresso fazem ‘reunião de pauta’ todas as manhãs com réplica petista do ‘gabinete do ódio’ para definir temas a serem explorados. O secretário de comunicação do PT, deputado Jilmar Tatto, admite que aciona influenciadores ‘quando tem necessidade’.

Com 1,5 milhão de inscritos no seu canal principal, Thiago dos Reis é uma das principais vozes em defesa do governo Lula nas redes sociais e tem a família Bolsonaro como um dos alvos preferenciais. Apesar de frequentemente divulgar informações falsas ou descontextualizadas, o influenciador é recomendado por petistas que o classificam como relevante na “luta democrática”.

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Os vídeos do canal do influenciador costumam distorcer fatos, inventar situações depreciativas sobre adversários, usar montagens, títulos falsos ou descontextualizados. O uso de linguagem agressiva e sensacionalista contra aqueles que se opõem ao governo Lula também é outra característica dos materiais produzidos por ele.

Entre os conteúdos populares do canal Plantão Brasil, há títulos como “Foto de Michelle (Bolsonaro) beijando outro homem causa alvoroço”, “Acabou pra ele – Anunciada a morte de Bolsonaro!!”, “Micheque abandona Bolsonaro! Quase saíram no tapa ontem”, “Revelada ligação de Bolsonaro com caso Marielle e provas aparecem!”, “Revelada ligação de Bolsonaro com Comando Vermelho” e “Eduardo Bolsonaro ameaça de morte Alexandre [de Moraes]”.

Ele também propaga como “fake” a facada sofrida por Bolsonaro na campanha de 2022 e chegou a publicar que o empresário Luciano Hang teria matado a própria mãe durante a pandemia de covid-19 para “fazer teste” e obter lucro – ela morreu após ser internada com a doença. Outra informação falsa que ele disseminou foi a de que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro teria comprado um sapato de R$ 20 mil com dinheiro público em Dubai.

A atuação de Thiago dos Reis rende dinheiro. O YouTube remunera os criadores de conteúdo com base no volume de visualizações geradas. Os dados das receitas são restritos aos donos, mas existem ferramentas que estimam os ganhos publicamente. A plataforma de monitoramento de métricas Social Blade calcula que a receita mensal do Plantão Brasil pode chegar a US$ 110 mil por mês, o equivalente a cerca de R$ 550 mil.

Thiago também pede contribuições via Pix na descrição dos vídeos que publica. Foram 9,8 mil conteúdos nos últimos cinco anos somente no canal principal. Eles somaram, até a última segunda-feira, 10, um total de 989 milhões de visualizações, segundo dados do YouTube desde 2017. Para efeito comparativo, o número supera os de conhecidos canais de influenciadores da direita, como Kim Paim (201 milhões desde 2019) e Hipócritas (161 milhões desde 2014).

Thiago tem o mesmo número de seguidores que o Canal Gov, operado pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para notícias governamentais. Mas o veículo oficial, criado 11 anos antes do de Thiago, não soma mais do que 286 milhões de visualizações nos vídeos produzidos pelos servidores. O canal oficial do presidente Lula acumula 429 milhões. O do PT, 75 milhões de exibições.

Com a tragédia climática no Rio Grande do Sul, Thiago tem atuado para defender o governo e desqualificar adversários. Em um vídeo postado no dia 9 de maio, diz que Lula “mandou” R$ 50 bilhões para o Rio Grande do Sul: “O maior pacote de ajuda da história. Maior que a ajuda que o Bolsonaro deu para o Brasil inteiro na pandemia”.

Boa parte dos R$ 50 bilhões anunciados pelo presidente para os gaúchos é composta por empréstimos que serão concedidos e que terão quer ser pagos. Em relação ao combate à pandemia, o governo federal gastou R$ 665 bilhões contra a covid-19 entre 2020 e 2022, durante o governo Bolsonaro, segundo dados do Tesouro Nacional.

No canal de Thiago dos Reis, os vídeos são gravados com uma única câmera e o youtuber fica ao centro do enquadramento, com uma camisa colorida. Links para os conteúdos publicados são espalhados por grupos de apoiadores petistas e nas redes sociais de outros influenciadores que o consideram uma referência por causa de uma suposta habilidade de fazer “comunicação popular”. É o caso do influenciador Vinicios Betiol, com quem mantém um site conjunto.

Por outro lado, ele também é criticado por setores de seu campo ideológico justamente por abusar das fake news e recorrer ao mesmo expediente que lulistas criticavam do bolsonarismo. “Um desserviço às pessoas de esquerda que seguem esse troço”, escreveu o jornalista do site governista DCM, Pedro Zambarda.

‘Lives’ com Pimenta e Lula
Thiago está em ascensão nas bolhas da esquerda desde os idos de 2020. Na época, recebeu para uma live o então deputado Paulo Pimenta (PT), hoje ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. Em junho daquele ano, esteve entre os dez youtubers chamados para uma entrevista com Lula.

Filiado ao PT desde 2017, ensaiou disputar uma cadeira de deputado federal por São Paulo, em 2022, mas a candidatura não foi à frente. À época, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), se solidarizou com o correligionário pela burocracia partidária que o impediu de concorrer.

Desde as eleições, Thiago dos Reis fez o canal dobrar de tamanho. Eram 883 mil inscritos em outubro de 2022. Hoje, mais de 1,5 milhão. O volume de visualizações também cresceu. Eram 596 milhões em abril de 2023, no canal principal. Até a última segunda-feira, 10, eram 989 milhões.

Além da conta principal do Plantão Brasil no YouTube, Thiago gerencia outros três canais na plataforma com mais 127 milhões de visualizações. O influenciador também atua no X (antigo Twitter), Tik Tok, Instagram, WhatsApp e Telegram.

No X, ele tem mais 412 mil seguidores. O influenciador usa como capa do perfil uma imagem com o slogan do governo “vamos juntos pelo Brasil” e uma foto em que aparece abraçado com o presidente Lula. O influenciador esteve com o petista durante a pré-campanha de 2022. Nas redes, interage com outros militantes da esquerda e é um dos mais aguerridos na promoção de personagens do núcleo duro de Lula, como a primeira-dama Janja da Silva.

O paralelo entre os modus operandi de Thiago dos Reis e do “gabinete do ódio” de Bolsonaro pode ser traçado a partir de um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), de 2020. O mecanismo, revelado pelo Estadão em setembro de 2019, consistia na atuação do Planalto para orientar uma rede de ataques contra adversários e imprensa, o que permitia que youtubers faturassem com a remuneração das plataformas.

“Com o objetivo de lucrar, estes canais, que alcançam um universo de milhões de pessoas, potencializam ao máximo a retórica da distinção amigo-inimigo”, disse o então vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, em manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Ainda no início da tramitação do inquérito dos atos antidemocráticos, a Polícia Federal apontou que influenciadores bolsonaristas tinham informações e conteúdos privilegiados do Planalto para “conteúdo extremista no campo digital”. Lula e o PT criticavam a disseminação das notícias falsas e o método do “gabinete do ódio” durante a gestão de Bolsonaro.

Influenciador dribla Justiça para fugir de processos
Oficiais de Justiça tentam localizar Thiago dos Reis há dois anos para que ele responda a processos por calúnia e difamação dos quais é alvo e para cumprir a prisão decretada em uma ação movida pelo próprio pai, com quem é rompido. Desde 2022, 15 processos foram ajuizados contra o influenciador por adversários políticos, empresários e servidores públicos. Eles alegam que foram vítimas de calúnia e difamação e pedem, juntos, R$ 447 mil em indenizações por danos morais.

A Justiça já tentou intimar o influencer governista, por dezenas de vezes, em 11 endereços nos Estados de São Paulo, Alagoas e Sergipe, mas sem sucesso. Em todos os casos, os oficiais de Justiça indicam que os dados estão equivocados ou que ele havia se mudado. Como Thiago não é localizado, os processos acabam arquivados sem resolução. O influenciador diz que atualmente mora no México.

Em um dos processos, a Justiça determinou que órgãos públicos, empresas de telefonia, Banco Central e Serasa informassem os endereços atribuídos ao influenciador para que ele pudesse ser intimado. As “inúmeras diligências” foram infrutíferas.

O empresário bolsonarista Luciano Hang processou Thiago por três vezes. Em um dos casos, o influenciador afirmou que o dono do Havan, durante a pandemia de covid-19, teria matado “a própria mãe” para “fazer testes e defender Bolsonaro”, “em nome do lucro”. Regina Hang morreu após ser internada com a doença. Ele era defensor de remédios sem eficácia contra o coronavírus. Não há evidências que sustentem a correlação estabelecida pelo influenciador.

O ex-diretor-geral da Polícia Federal Marcio Nunes de Oliveira ajuizou uma ação de danos morais após Thiago chamá-lo de “vagabundo” e dizer que o delegado usava aeronaves da corporação para passear e ir a festas de aniversário. O juiz do caso deu prazo para que o delegado indicasse o endereço para que o youtuber fosse intimado e o processo transcorresse. O policial não foi capaz de identificar o local de moradia de Thiago dos Reis. “Diante da extrema dificuldade” e após “diversas tentativas”, ele desistiu do processo três meses depois de ter acionado o Poder Judiciário alegando ter sido vítima de calúnia pelo petista.

A Justiça brasileira expediu um mandado de prisão contra o influenciador em julho de 2022, no âmbito de uma ação de alimentos impetrada pelo pai. O genitor alega que foi abandonado pelos filhos depois de ser declarado interditado por problemas psiquiátricos e de alcoolismo. O mandado segue em aberto ainda hoje no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Thiago diz que não tem dinheiro suficiente para pagar a ação de alimentos, no valor de R$ 69 mil. Em três anos e meio, ele saiu de uma renda declarada à Receita Federal de R$ 2,5 mil por mês e nenhum bem em seu nome a dono de um patrimônio de R$ 1,2 milhão, incluindo um apartamento fora do País. O imóvel foi apresentado em sua declaração de bens na campanha eleitoral de 2022.

Nas redes sociais, o youtuber governista afirmou que passa uma temporada no México, para onde teria se mudado para escapar de “ameaças de bolsonaristas”.

Influenciador nega apoio do governo Lula
Thiago dos Reis foi procurado por e-mail pela reportagem. Como resposta, ele resolveu publicar um vídeo em seu canal no YouTube na segunda-feira, 4. Ele negou receber informação de dentro do Palácio do Planalto. Também afirmou que não ganha dinheiro do governo. “Eu reclamo quase todo dia que não tem organização na esquerda. Eu não recebo nenhuma orientação. Eu até gostaria que o governo tivesse uma rede de influenciadores. Em um ano e meio, eu participei de duas reuniões com gente do governo, em que eles só falavam bem do governo e acabou.”

“[Não recebi] Nenhum centavo [do governo]. Se eu ou outros influenciadores dependêssemos de dinheiro do governo para sobreviver estaríamos passando fome. A gente tem que trabalhar muito para se sustentar”, acrescentou. Thiago dos Reis disse que comprou o imóvel que tem no exterior e está declarado à Receita Federal com o próprio dinheiro.

O influenciador também disse que sua atuação se difere do “gabinete do ódio” pois é a favor da democracia. “Eles atuavam com fake news contra a democracia. Eles usam o ódio para acabar com a democracia no Brasil. Aqui no Plantão Brasil a gente defende a democracia.”

A reportagem pede, desde 8 de maio, que o YouTube se manifeste sobre vídeos do Plantão Brasil com informações sabidamente falsas ou distorcidas. A rede social se recusou a comentar o caso.

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