O relatório da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Americanas afirma que, desde o início, estava claro que as fraudes na rede varejista não eram uma “mera desconformidade nos balanços da companhia” e indícios apontam para o envolvimento de ex-diretores e ex-executivos.
Mas o documento elaborado pelo deputado Carlos Chiodini (MDB-SC) afirma não ter sido possível identificar os responsáveis pelas inconsistências de R$ 20 bilhões nas contas da empresa.
O texto redigido pelo parlamentar explica que não houve como determinar “de forma precisa, a autoria dos fatos identificados, nem imputar a respectiva responsabilidade criminal, civil ou administrativa a instituições ou pessoas determinadas.”
O relatório ressalta que apontar culpados resultaria em prováveis violações de direitos e faz referência a investigações da Polícia Federal e Ministério Público sobre as fraudes. Segundo ele, são processos que já “atravessaram uma etapa investigativa bem mais madura” e que a CPI termina em fase incipiente das averiguações.
Os dois órgãos vão receber os dados sigilosos recolhidos pela Comissão.
“O curto período de tempo para um caso tão complexo e a geração constante de fatos novos no âmbito do Ministério Público e da Polícia Federal impedem uma conclusão. E virão fatos novos até por causa de delações premiadas. Para indiciamento, seria prematuro apontar um CPF ou outro”, disse Chiodini à reportagem.
As comissões são temporárias e podem durar 120 dias, renováveis por mais 60.
O relatório fala na necessidade da realização de novas diligências para conseguir elementos de prova “mais robustos”.
“As provas produzidas convergem para o possível envolvimento de pessoas que integravam o corpo diretivo da companhia (ex-diretores e ex-executivos). Mas os elementos não são suficientes para a formação de um juízo de valor seguro o bastante para atribuir autoria e para fundamental indiciamento”, completa o texto.
“Há indícios de fraude na antiga diretoria, mas são dezenas de pessoas. Então, temos de ter cuidado para não cometermos injustiças. Há o diretor de marketing, por exemplo. Ele faz parte da diretoria, mas não tem nada a ver com isso”, lembra Chiodini.
O escândalo veio à tona em janeiro deste ano quando Sergio Rial, presidente do grupo varejista, anunciou seu desligamento da companhia. Fato relevante, assinado por ele e pelo diretor de relações com investidores, André Covre, relatou as inconsistências de R$ 20 bilhões.
Em depoimento à CPI, Rial afirmou não ter percebido nenhum envolvimento de acionistas nas fraudes e que soube do fato dois dias após assumir o cargo. “A notícia é que o patrimônio líquido era de R$ 16 bilhões para uma dívida bancária de R$ 36 bilhões. Levo um soco no estômago”, disse ele aos parlamentares.
Os acionistas de referência da companhia são os empresários Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles. Deles, apenas Sicupira faz parte do conselho de administração. Sócios na 3G Capital, o patrimônio deles aumentou em R$ 6 bilhões no último ano, segundo a revista Forbes.
Em recuperação judicial, a Americanas tem dívidas declaradas de R$ 42,5 bilhões, demitiu 9.175 funcionários (21% de sua força de trabalho) e fechou 72 lojas (4% dos pontos de venda) desde o início do ano. Os dados foram levantados pela reportagem com base em informações enviadas pela companhia à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e confirmados pela própria Americanas.
Sem poder apontar culpados de maneira incisiva, o documento produzido pela CPI comemorou “legado” de propostas legislativas para que problemas como esse não voltem a ocorrer no futuro.
Projeto de Lei complementar apresentado quer que os administradores devolvam à companhia bônus ou vantagens recebidas condicionadas ao desempenho da empresa que depois venham a ser retificados por erro ou fraude. Se o administrador tiver participação no fato, a devolução será em dobro.
Acionistas controladores e auditores independentes também estarão obrigados a repararem os danos que causarem à empresa por imperícia, imprudência ou negligência.
“São projetos que vão dar mais transparência e liberdade aos auditores e tipifica o crime de gestão fraudulenta. Também colocamos a figura do informante, que já existia no pacote anticrime de 2019, mas era restrito ao serviço público”, completa o deputado, referindo-se à possibilidade de um funcionário de empresa de capital privado apresentar denúncia sem ter identidade revelada.