Em Salvador, as manchetes de jornais trazem diariamente a situação aterrorizante no bairro Tancredo Neves, que se tornou palco de uma guerra entre facções rivais e transformou um local histórico em um mero alvo do crime organizado. É sobre isso que a consultora de relações étnicos-raciais, Tainara Ferreira, discute ao abordar a importância do letramento em meio às questões sociais que atingem a comunidade.
Ela, que nasceu na região, ressalta que ali há um importante marco para o movimento negro da cidade, pois o bairro foi criado ao redor do Quilombo Beiru, ainda durante os períodos sombrios da escravidão, como um ponto de resistência. Atualmente homenageando o presidente morto em 1985, moradores buscam reencontrar a verdadeira identidade e rotina calma que outrora já fez parte do cotidiano.
“Beiru significa ‘florescer’ em iorubá e há um movimento para que o bairro volte a ter este nome, já que muita gente só o chama assim até hoje. Isso é um dos pontos deste trabalho difícil, que visa reverter este quadro tão triste. O Beiru precisa voltar a ser como antes, pelo bem da nossa memória que já foi, em grande parte, apagada”, explicou.
Vale destacar que o nome vem de uma das figuras mais importantes pela luta anti-escravagista na cidade e que, infelizmente, foi esquecido pela história. Gbeiru era um homem nascido na Nigéria e foi escravizado por membros da família Garcia d’Ávila, em uma fazenda onde hoje é situado o bairro. Ali, travou uma guerra em favor de seu povo, libertando muitos do sistema cruel existente.
Sua memória é preservada em terreiros de candomblé no bairro, que refletem no imaginário de parte da população que ali vive – principalmente os mais antigos. O quilombo criado por Gbeiru é um sinônimo de força e união, que poderia ser destacado nos estudos de nossa sociedade, porém o poder público o ignora.
A especialista aproveitou para criticar as autoridades oficiais, que omitem e negligenciam o cuidado com ações sociais e de segurança pública em Tancredo Neves, o que abriu espaço para que o tráfico de drogas tomasse o controle. O primeiro passo, para Tainara, é o investimento massivo em educação.
“O problema não vai ser resolvido com polícia nas ruas quando algum crime ocorre. O Estado precisa estar presente no local, em todos os âmbitos. Na saúde, no transporte, na cultura e, principalmente, na educação. Para reviver o antigo Beiru é preciso lembrar da nossa história de luta antirracista e decolonial, sendo aplicado nas salas de aula. Só assim as novas gerações saberão que há, sim, outras alternativas de vivência”, completou a consultora.
Por fim, caso isto ocorra, Tainara Ferreira acredita que a iniciativa pode ser um modelo para a cidade e o restante do país, onde alguns pontos – abandonados pelo poder público – se veem controlados por grupos faccionados.