Antes do término oficial de seu mandato no comando do Banco Central, Roberto Campos Neto prevê um evento simbólico de passagem da presidência para Gabriel Galípolo, nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula (PT) para sucedê-lo. A solenidade deve ocorrer em 19 de dezembro.
Ao longo de seis anos na chefia do BC, nos governos Bolsonaro e Lula 3, Campos Neto atravessou o enfrentamento da pandemia de Covid-19, a queda da taxa básica de juros (Selic) para o patamar histórico de 2% e o maior choque de juros desde 1999. Em 31 de dezembro, ele terá cumprido integralmente seu mandato.
A cerimônia, em Brasília, marcará a primeira passagem de bastão sob a lei de autonomia, em vigor desde 2021. “Vamos fazer um evento que simbolize o que temos feito em termos de transição” diz Campos Neto, em seu gabinete no prédio do BC, em São Paulo, onde recebeu a reportagem da Folha.
A transição começou no mês passado. Recentemente, em uma reunião no BIS (Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais), na Suíça, Galípolo foi apresentado por Campos Neto a banqueiros centrais de outros países.
“Não consigo imaginar uma transição mais suave do que essa”, avalia. “A gente teve transições onde quem estava no cargo saía, não ia na posse do outro e não passava nenhuma informação”, ressalta.
Com viagem marcada para a Flórida, nos Estados Unidos, onde moram familiares, Campos Neto ficará fora do país durante alguns meses após deixar o cargo no BC. Ele assegura que ainda não escolheu o seu próximo emprego, mas antecipa que o novo posto será na área de finanças e tecnologia e que deverá atuar no Brasil. “Como desenvolvi muito conhecimento no Brasil, o mais provável é que seja no Brasil”, diz.
Apesar das especulações, Campos Neto segue afirmando que não buscará, no futuro, o caminho da política. Questionado se recusaria um eventual convite do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ou de alguém próximo dele, o presidente do BC prefere falar sobre o curto prazo.
“Não posso dizer o que vou fazer daqui a 50 anos, mas não tenho intenção de ir para a política.”
Até começar um novo trabalho, Campos Neto terá que cumprir quarentena, período em que as autoridades não podem exercer atividades privadas após deixarem o serviço público a fim de evitar o uso de informações privilegiadas. Nessa fase, que pela atual legislação dura seis meses, ele não poderá estar envolvido com nada no mundo financeiro.
Para Campos Neto, a autonomia do BC é o seu maior legado. “A autonomia melhora a institucionalidade e impõe um padrão novo de transição, que coloca o BC na frente da importância das pessoas”, diz.
Lula formalizou a indicação de Galípolo para o BC no dia 28 de agosto. A sabatina e aprovação pelo Senado ocorreram menos de dois meses depois, no dia 8 de outubro.
Alvo principal das críticas do presidente Lula e de integrantes do governo por causa da política de juros altos, Campos Neto não vê dificuldade para o seu sucessor continuar elevando a Selic, hoje em 11,25% ao ano. “Galípolo está no time que tem feito alta de juros, tem tido a mesma opinião [que todo o colegiado], tem sido membro integrante e votado a favor”, afirma.
Campos Neto, contudo, não responde se acredita que, com Galípolo na chefia, Lula vai pegar mais leve nas críticas ao BC. “Seria uma especulação da minha parte.”
Até o fim do ano, Lula tem de indicar três novos diretores para a instituição. O presidente do BC não vê riscos de atraso na escolha e afirma que dá tempo de nomear e aprovar os nomes na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) e no plenário do Senado até o início do recesso parlamentar.
Faltando um mês e meio para deixar o cargo, o presidente do BC diz que não se arrepende de medidas tomadas ao longo da sua gestão, mas que há coisas que poderia ter feito de maneira diferente, melhor ou de forma mais rápida.
Para ele, o desenvolvimento do Pix é um marco de sua gestão. “A gente conseguiu fazer o Pix durante a pandemia, com as pessoas trabalhando de madrugada. Foi um trabalho muito intenso no BC”, relembra.
Olhando de forma retrospectiva, Campos Neto considera, porém, que a comunicação sobre a política monetária, em alguns momentos, poderia ter sido melhor. Ele cita como exemplo a reunião de maio do Copom (Comitê de Política Monetária).
O placar de 5 votos a 4 naquela decisão mostrou um racha no Copom entre os diretores indicados ou reconduzidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e os escolhidos pelo presidente Lula.
“Foi uma reunião que acabou transparecendo para o mercado que a divisão era política. Tínhamos que ter comunicado melhor porque a divisão era técnica. Mas é impossível você passar por seis anos, olhar para trás e falar que fez tudo perfeito. Sempre tem coisa que pode ter sido melhor”, reconhece.
Campos Neto considera que o momento mais tenso que passou no cargo foi no início da pandemia, em 2020. Na época, afirma, caiu a ficha de que a Covid-19 seria muito pior. Segundo ele, foi um momento muito tenso, porque via “uma coisa grande vindo”, mas tinha o risco de estar errado.
O presidente do BC afirma que participava como convidado de reuniões com o ex-presidente Bolsonaro para falar do cenário econômico. “Eu falava através do Paulo Guedes [então ministro da Economia], mas geralmente a minha contribuição era ir nas reuniões e fazer uma apresentação de economia. Não era sempre, eu ia algumas vezes”, diz.
Na sabatina de Galípolo, a relação entre Campos Neto e Paulo Guedes foi citada pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF). Ao falar para Galípolo que a lua de mel dele com Lula iria acabar, a ex-ministra de Bolsonaro disse que lua de mel entre o presidente do BC e Guedes nunca foi de verdade.
Campos Neto admite que, em alguns momentos, divergiu de Guedes, mas nega que tenha havido rompimento. “Nós somos grandes amigos, vamos sempre ser, e eu tenho uma grande admiração por ele. Acho que o ministro fez um grande trabalho. Eu vim para o BC por causa dele, que me convidou. Bolsonaro não me conhecia, devo muito a ele.”