Integrantes da cúpula militar avaliam que a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), pode ser positiva para as Forças Armadas se contribuir para acelerar as investigações.
Segundo eles, a colaboração pode ajudar a virar a página das suspeitas que pairam sobre os fardados, apontar quais militares cometeram crimes e punir os responsáveis —sem pendurar a imagem de desgaste para toda a instituição.
Neste domingo (10), o Exército afastou Cid de suas funções. Segundo informou a Força em nota, o tenente-coronel ficará acondicionado no departamento de pessoal da corporação sem cargo nem função. A decisão não implica, porém, a suspensão do salário, que em julho era de R$ 27.027 brutos.
O afastamento ocorreu em cumprimento à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que homologou o acordo de delação premiada com a Polícia Federal.
Uma eventual expulsão de Cid da Força só ocorreria caso ele seja julgado e condenado em algum processo. Antes disso, a medida não está no radar da cúpula do Exército.
Na avaliação de militares, a decisão do tenente-coronel de fazer a delação foi tomada em caráter pessoal e como estratégia de defesa. A decisão pegou de surpresa aliados de Bolsonaro, que esperavam que Cid não fosse tão longe.
A colaboração foi fechada no âmbito do inquérito das milícias digitais, que é a principal apuração contra Bolsonaro no STF e mira os ataques às instituições, a tentativa de golpe e o caso das joias, entre outros pontos.
A expectativa no meio jurídico é que Cid apresente provas contundentes sobre ilícitos cometidos na gestão Bolsonaro e ajude a esclarecer o papel de alguns integrantes das Forças Armadas na elaboração, por exemplo, de um plano para tentar mantê-lo no poder.
O avanço das investigações contra os militares alimentaram no Exército um clima de desconfiança em relação à Polícia Federal. Como mostrou a Folha, militares reclamaram da coincidência de datas em operações que miraram fardados com dias de evento de celebração do Exército. Para esses integrantes das Forças Armadas, a PF agiu para ofuscar os militares, algo que é frontalmente rechaçado entre os policiais.
Diante do clima, o ministro José Múcio e o comandante do Exército, Tomás Paiva, têm atuado para melhorar o clima. O diretor da PF, Andrei Rodrigues, participou do Dia do Soldado, e Múcio e Paiva foram a um evento de formatura de policiais federais.
Para integrantes da PF, o Alto-Comando do Exército tem interesse em ver as investigações avançarem por avaliar que só dali pode sair os elementos para uma punição dos fardados, já que seria muito difícil para os militares punirem a eles mesmos. Investigadores acreditam haver um forte clima de corporativismo nas Forças.
O inquérito policial militar aberto para investigar os militares que deveriam ter protegido o Palácio do Planalto diante dos ataques golpistas de 8 de janeiro, por exemplo, livrou as tropas de culpa. Em outra frente, apontou “indícios de responsabilidade” da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial, que integra a pasta do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
Moraes concedeu neste sábado liberdade provisória ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, mas impôs uma série de medidas cautelares que precisam ser cumpridas cumulativamente, entre elas a de que Cid fosse afastado do exercício das funções de seu cargo de oficial no Exército.
“O Centro de Comunicação Social do Exército informa que o Exército Brasileiro cumprirá a decisão judicial expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, e o tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid ficará agregado ao Departamento-Geral do Pessoal (DGP), sem ocupar cargo e exercer função”, disse o Exército, em nota.
Moraes também determinou o uso de tornozeleira eletrônica, a vedação de comunicação com outros investigados e mandou suspender o porte de arma do ex-auxiliar de Bolsonaro. Além disso, vetou o uso de redes sociais e o proibiu de sair do país. Também o obrigou a se apresentar à Justiça num prazo de 48 horas e, depois, comparecer semanalmente, às segundas-feiras.
O magistrado disse que o descumprimento de qualquer uma das medidas alternativas ao cárcere levará à decretação de uma nova prisão.
Cid estava preso desde 3 de maio sob custódia em uma unidade militar em Brasília
A delação é um meio de obtenção de prova, que não pode, isoladamente, fundamentar sentenças sem que outras informações corroborem as afirmações feitas. Os relatos devem ser investigados, assim como os materiais apresentados em acordo.
Como a premissa da delação é indicar outros possíveis envolvidos nos fatos apurados, a negociação de Cid tem gerado expectativa no meio político sobre eventuais depoimentos que atinjam Bolsonaro.
Pessoas próximas ao político, que está inelegível, afirmam que o acordo do ex-auxiliar tem potencial para comprometer a imagem do ex-presidente, temem eventuais implicações contra a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e se preocupam com o teor das revelações.